CANTO DOS EXILADOS

Becher, Ulrich


Escritor, poeta e jornalista
Berlim, 2.1. 1910 - Basileia/Suíça, 15.4. 1990
No Brasil, de 1941 a 1944


Becher quis deixar a Alemanha pouco antes da ascensão dos nazistas, mas voltou pelo menos mais três vezes até maio de 1935. Um trecho de uma carta ao pintor George Grosz, datada de abril de 1933, permite concluir que ele presenciou a ascensão do nazismo ainda na Alemanha: “Ah, George, Daum, pena que você não pôde estar presente aos festejos da vitória. Esse desfile sem fim de tochas nas ruas, como nos nossos corações !” Também é provável que sua primeira obra, Männer machen Fehler, publicado pela editora Rowohlt em 1932, não tenha ido parar na fogueira durante a queima de livros dos nazistas em maio de 1933, como se lê em todos os artigos sobre Becher. Nas cartas a Grosz, Becher nunca mencionou isso. Já o seu segundo livro de contos, Die Eroberer, publicado em 1936 pela editora Oprecht, de Zurique, foi incluído na lista dos livros “nocivos e indesejáveis”, de 31 de dezembro de 1938. Antes de decidir-se pelo exílio, Becher viveu em algumas cidades européias, principalmente Viena, Paris, Praga, Londres e Berlim. Em 1933, casou-se com sua antiga colega da Faculdade de Direito, Dana Roda, filha do famoso autor austro-húngaro Alexander Roda-Roda. Os diversos centros europeus do exílio não atraíram Becher na mesma medida como anteriormente o grupo em torno de George Grosz, ao qual também pertenciam John Heartfield, Max-Hermann Neisse, Erwin Piscator, Wieland Herzfelde e Ernst Rowohlt. Ulrich Becher era o mais jovem do grupo. Em 1937 Becher tornou-se cidadão austríaco graças à intermediação do sogro. Os anos nômades só foram interrompidos após a entrada das tropas alemãs na Áustria. “Em março de 1938 conseguimos escapar no último trem não controlado pela SS.” A partir de 1940, Becher passou a ter problemas com as autoridades suíças, que lhe sugeriram procurar outro país de asilo, apesar de sua mãe ser suíça. Becher e a mulher queriam ir para os Estados Unidos, mas só Becher conseguiu um visto. O casal Becher juntou-se então ao grupo Görgen. Becher obteve um passaporte de cortesia do governo tcheco no exílio em Londres, sob o nome de Oldrich Becer, profissão engenheiro, uma vez que não quis requerer a renovação do passaporte alemão e não perdera a cidadania. A concessão de um passaporte tcheco de cortesia explica-se pelo fato de seu pai ter sido advogado credenciado da embaixada tcheca em Berlim. No Brasil, o casal Becher foi primeiro com o restante do grupo Görgen para Juiz de Fora e de lá voltou para o Rio de Janeiro. O casal Becher foi sustentado durante a estadia no Brasil pelos respectivos pais. Até dezembro de 1943, moraram alternadamente no Rio de Janeiro e perto de Teresópolis, nos meses mais quentes na serra e nos mais amenos no Rio de Janeiro. Em 1943, mudaram-se para São Paulo, onde, graças à intermediação de Karl von Lustig-Prean e Herbert Baldus, Becher pôde publicar alguns artigos no jornal O Estado de São Paulo, entre outros: O traidor Ernst Glaeser, Da catacumba dos Alpes e O grande George Grosz e uma grande época, em quatro partes. A série de artigos sobre Grosz foi publicada em alemão na revista antifascista de Buenos Aires Das andere Deutschland (A outra Alemanha). Outros artigos e algumas poesias de Becher foram publicados nesta revista, assim com um excerto do conto Der Rosenkavalier. Na revista Freies Deutschland (Alemanha Livre, revista dos antifascistas exilados no México) Becher publicou os seguintes artigos: Die Seine fliesst nicht mehr durch Paris. Portrait eines literarischen Kriegsverbrechers (sobre Ernst Glaeser) e Väterchen (sobre Roda-Roda), além do poema dedicado a Max-Hermann Neisse, Ahnung und Versprechen. Além da obra Das Märchen vom Räuber, der Schutzmann wurde (publicada em 1943), a maioria das poesias que constituem o poema narrativo Brasilianischer Romanzero e Reise zum blauen Tag, assim como o poema narrativo Franz Patenkindt, inspirado na obra poética de François Villon, foram escritos por Becher no Brasil. A permanência no Brasil inspirou também as seguintes peças de teatro: Samba e Der Herr kommt aus Bahia (denominada Makumba numa versão posterior), e alguns contos como Die Frau und der Tod e Fussballeidenschaft des Napoleon Bonaparte. No Brasil. Becher teve contato não só com exilados alemães e austríacos, entre outros, com o artista austríaco Axl von Leskoschek, docente da Academia de Artes do Rio de Janeiro, mas também com exilados espanhóis, como o escritor Rafael Alberti. Os sentimentos de Becher em relação ao Brasil parecem ser ambíguos. “Tínhamos a sensação de que não sairíamos mais de lá (...) Por um lado, Uli dizia, às vezes, ‘Não aguento mais (...) não quero ficar aqui.’ Depois acostumou-se tanto ... a ponto de ser considerado um brasileiro”, contou Dana Roda. Em julho de 1944, o casal conseguiu emigrar para o Estados Unidos. Lá reencontraram Roda-Roda, gravemente doente, e que faleceu em 1945. Em maio de 1948, o casal voltou finalmente à Europa e, após alguns anos, fixou-se na Basileia. Apesar do sucesso de suas obras teatrais no primeiro decênio depois da guerra, as obras de Becher estão hoje praticamente esquecidas. A crítica mal reparou na sua grande obra épica, o romance Murmeljagd, publicado em 1969. Quando morreu, em abril de 1990, mereceu apenas algumas linhas. Além de uma dissertação de mestrado e dos dois livros mencionados que tratam de sua obra, existem apenas alguns artigos esparsos de jornal sobre sua obra. 

Fonte: Izabela Maria Furtado Kestler, Exílio e Literatura, São Paulo: Edusp, 2003.