CANTO DOS EXILADOS

Görgen, Hermann Matthias


Político, historiador, publicista
Wallerfangen/Saar, 23.12. 1908, Bonn – 3.5. 1994
No Brasil, de 1941 a 1954 

Hermann Matthias Görgen foi, sem dúvida, uma das personalidades mais importantes no contexto da história do exílio no Brasil. Görgen fazia parte da oposição católica ao nacional-socialismo na Alemanha. Além disso, era discípulo do Prof. Dr. Friedrich Wilhelm Foerster, um dos expoentes intelectuais da luta pelo federalismo e contra o nacionalismo alemão. Em 1934 e 1935, colaborou com o jornal Neue Saarpost, de Johannes Hoffmann, na luta contra a incorporação da região do Saar ao Terceiro Reich. Após a derrota das forças políticas contrárias à incorporação, Görgen fugiu para Salzburg, na Áustria, onde Foerster havia lhe intermediado um cargo de professor assistente na Universidade Católica. Ali, filiou-se à Frente Patriótica do primeiro-ministro Engelbert Dollfuss e, assim, passou a pertencer ao círculo político dos legitimistas, que lutavam pelo direito da dinastia dos Habsburgo ao trono da Áustria e da Hungria. Até a anexação da Áustria ao Terceiro Reich, em 1938, Görgen foi colaborador da revista Christlicher Ständestaat, editada em Viena a partir de 1934, e que propagava os ideais legitimistas. Com a ajuda do primeiro-ministro, Milan Hodza, e do presidente da República da Tchecoslováquia, Edvard Benes, Görgen pôde escapar da Áustria com um passaporte tcheco. Em Zurique, Görgen trabalhou como correspondente do jornal Národní Politika e a revista cristã Pax-Korrespondenz de Paris, além de ter contribuído com alguns artigos para a revista Mass und Wert, dirigida por Thomas Mann do exílio. Mas a Suíça já não era o país acolhedor que parecia ser no início. Já em 1939, Görgen foi preso por atentar contra a “neutralidade suíça”. A partir de 1940, os refugiados pobres passaram a ser internados em campos de trabalho e muitos que tentaram fugir ilegalmente para a Suíça eram barrados na fronteira e transportados de volta para a Alemanha. Em 1940, Görgen recebeu de Foerster, que vivia em Annecy na França, a incumbência de buscar asilo para um grupo de 45 pessoas. O projeto incluía também a criação de uma indústria que possibilitasse a sobrevivência dos membros do grupo no exílio. A maior parte deste grupo era composta de judeus, mas havia também pessoas ligadas à oposição católica e política. Görgen travou contato com o cônsul do Brasil em Genebra, Milton Cesar de Weguelin Vieira, que se empenhou então pela concessão de vistos ao grupo. Havia várias questões a serem superadas: o fato de muitos serem judeus e o financiamento da viagem do grupo pela França, Espanha e Portugal até o Brasil assim como o financiamento da futura indústria no Brasil. Os membros do grupo tiveram que se comprometer a trabalhar pelo menos dois anos na empresa e fazer um depósito de 600 dólares, dos quais 400 figurariam como investimento de capital por dois anos e 200 seriam a ajuda de custo a ser recebida por cada um inicialmente. Estes problemas foram contornados com a intervenção e ajuda entre outros do núncio apostólico do Vaticano em Berna, Monsenhor Felippe Bernardini, de Edvard Benes, que concedeu passaportes de cortesia do governo tchecoslovaco no exílio a uma série de pessoas, assim como de algumas organizações de auxílio aos refugiados. Depois de uma viagem arriscada, o grupo embarcou em Lisboa em abril de 1941, chegando ao Rio de Janeiro e se dirigindo a Juiz de Fora, onde finalmente em novembro de 1941 foi fundada a firma Indústrias Técnicas (INTEC). A escolha de Juiz de Fora se deveu por um lado à proximidade com o Rio de Janeiro e de outro ao fato desta cidade ser de colonização alemã. A firma, no entanto, não progrediu em função da saída de vários membros do grupo de Juiz de Fora, assim como dos empecilhos para o envio de capitais depositados nos EUA para o Brasil a partir de 1941. Apesar de tudo, a INTEC chegou a produzir uma ampla gama de produtos: santinhos, chapas de flandres, vasos sanitários e ornamentações de ferro batido. Após o fechamento da fábrica, Görgen comprou um sítio na colônia D. Pedro, onde plantava árvores frutíferas e capim especial para enchimento de colchões. Os produtos agrícolas eram comercializados por sua companheira de exílio, Dora Schindel, com quem viveu até a morte. 

Em 1954, Görgen retornou à Europa
e
 se filiou ao partido cristão popular do Saar. De 1957 a 1961 Görgen foi deputado do partido cristão-democrata no parlamento alemão. Em 1958 Görgen esteve de novo no Brasil, desta vez como dirigente da Seção América Latina do Parlamento alemão, cargo que ocupou até 1973. Por ocasião desta primeira visita ao Brasil após o retorno, Görgen foi agraciado com a ordem do Cruzeiro do Sul. Anos mais tarde veio a receber também a ordem do Rio Branco. De 1960 até o falecimento, Görgen dirigiu a Sociedade Teuto-Brasileira, criada por ele, e o Centro Latinoamericano em Bonn. Além disso, Görgen publicava a revista Deutsch-Brasilianische Hefte/Cadernos Germano-Brasileiros. Além disso, foi agraciado com o título de doutor honoris causa das universidades do Paraná e do Ceará, e tornou-se cidadão honorário de várias cidades brasileiras. Görgen publicou também uma série de obras sobre o Brasil e a América Latina, entre as quais: Brasilien em 1971 e 500 Jahre Lateinamerika. Licht und Schatten em 1993. O espólio de Hermann Matthias Görgen encontra-se no Arquivo do Exílio Alemão da Biblioteca Alemã de Frankfurt am Main.

Fonte: Izabela Maria Furtado Kestler, Exílio e Literatura. São Paulo: Edusp, 2003.