CANTO DOS EXILADOS

Marcus, Ernst


Zoólogo
Berlim, 1893 – São Paulo, 30.6. 1968
No Brasil, de 1936 a 1968


Marcus foi professor no Instituto de Zoologia da Universidade de Berlim, tendo sido convidado a chefiar o departamento na USP depois da morte de Ernst Bresslau, em 1935. Junto com Paulo Sawaya, foi o responsável por desenvolver um centro moderno para estudos zoológicos. Marcus chegou ao Brasil em 1936 acompanhado de sua mulher, Eveline du Bois Reymond Marcus, também zoóloga e desenhista, que trabalhou com ele. Juntos, fizeram estudos de campo dos animais brasileiros (especialmente a fauna marinha) e produziram 25 volumes, editados entre 1937 e 1963. A seguir, o relato (abreviado) do também zoólogo Erasmo Garcia Mendes, que conviveu com Marcus durante 32 anos: “Os pais de Ernst Gustav Gotthelf Marcus eram judeus inteiramente identificados com os costumes e a cultura da Alemanha imperial. Na Primeira Guerra Mundial, Marcus chegou a combater nas frentes oriental e ocidental. Em 1914, logo no início da guerra, publicou seu primeiro trabalho zoológico; o segundo, devido ao conflito, só apareceu em 1919. Já estava então na Universidade de Berlim, onde começava sua carreira docente no Instituto de Zoologia. Marcus casou-se com Eveline du Bois Reymond, de tradicional família de cientistas, neta de Emil du Bois Reymond (um dos modeladores da fisiologia moderna) e excelente desenhista. Em colaboração, realizaram prodigiosa obra zoológica (Marcus, no Brasil, freqüentemente iniciava seus artigos mencionando: “Com minha excelentíssima esposa...”). Ainda na Alemanha, após ter trabalhado com coleópteros, investigou grupos menos conhecidos de animais, como Bryozoa e Tardigrada, grangeando grande reputação, num total de 53 trabalhos, até 1933. Escreveu o volume sobre Tardigrada na coleção Bronn's Klassen und Ordnungen des Tierreiches e estudou a embriogênese da boca e do intestino anterior de peixes selácios e anfíbios anuros. Ainda em 1933, publicou uma Tiergeographie, na qual seus amplos conhecimentos das faunas regionais em contexto ecológico ficaram patentes. Depois da ascensão do nazismo, Marcus aceitou o convite feito para lecionar zoologia na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, em substituição ao professor da disciplina anteriormente contratado, Ernst Bresslau, falecido repentinamente em 1935. Marcus chegou ao Brasil em 1º de abril de 1936, acompanhado da esposa e dos livros que lhe permitiram trazer da Alemanha. Dava aulas em português, língua que aprendera suficientemente no curto tempo de que dispusera antes de partir de Berlim e que aperfeiçoou com os anos, a ponto de empregar, nas aulas, termos tão eruditos que muitos alunos tinham dificuldade de entender. Durante 37 anos, até a aposentadoria compulsória, ministrou aulas de zoologia, sem nunca faltar e com acurado preparo das mesmas. Sua última aula foi em 7 de junho de 1963, na qual concluiu o estudo dos Aschelminthes e iniciou o dos Annelida. Suas aulas eram dadas em nível elevadíssimo e, na verdade, era desperdício colocá-lo ensinando zoologia básica, que poderia perfeitamente ser ministrada por seus assistentes, quando a ele deveriam ser reservados cursos de especialização e orientação em pesquisa. Ao chegar ao Brasil, Marcus recebeu do professor Paulo Sawaya, que ficara na regência interina da disciplina, dois frascos contendo briozoários e dois exemplares de onicóforos. Foi com esse material que Marcus iniciou a sua magnífica série de trabalhos realizados no Brasil. Em princípio, suas pesquisas realizavam-se com animais marinhos que os Marcus coletavam em excursões ao litoral ou que recebiam de colegas do resto do país e do exterior. Posteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial, por serem ainda alemães, foram proibidos de ir ao litoral. Então, passaram a excursionar nos arredores de São Paulo, coletando nos campos e pequenos cursos d'água, animais característicos desses biótopos e, assim, prosseguindo no trabalho. Numa dessas excursões, o estranho casal, fuçando matas e riachos à cata de bichinhos desconhecidos para o leigo, despertou a atenção da ronda policial, que chegou a prendê-los transitoriamente. Como resultado dessas coletas, observações de campo e com paciente trabalho de laboratório, o casal Marcus publicou no Brasil, entre 1936 e 1968, cerca de 162 artigos. Como homenagem ao Brasil, os primeiros trabalhos saíram em português, no Boletim de Zoologia da Faculdade de Filosofia. Os seguintes começaram a ser enviados a revistas especializadas no exterior e versaram sobre variados grupos animais (turbelários, poliquetos, oligoquetos, tardígrados, onicóforos, pantópodos, nemertinos, foronídeos, gastrópodes). Os animais eram sempre estudados de múltiplos pontos de vista (sistemático, zoogeográfico, anatômico, embriológico e ecológico). Tiveram sempre grande repercussão, tornando Marcus um dos mais proeminentes zoólogos deste século. A grande zoóloga Libbie H. Hyman aprendeu português para ler os primeiros trabalhos de Marcus e, quando escreveu o tomo sobre briozoários no seu monumental tratado (The Invertebrates), veio a São Paulo para uma temporada com o famoso especialista. Ao lado desses trabalhos de cunho especializado, Marcus sempre cultivou, à maneira de Lamarck, a sua filosofia zoológica, publicando ensaios sobre questões fundamentais dessa disciplina biológica. Seus primeiros trabalhos no Brasil, em português, foram para a revista do Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP: Por que estudamos Zoologia, de 36 e Sobre o Sistema Zoológico, de 38. Este último foi refundido e atualizado em 1958; vertido para o inglês, apareceu como On the Evolution of Animal Phyla, no Quarterly Review of Biology (v.33:24-58), com larga repercussão. No seu Dynamics in Metazoan Evolution (Clarendon, 1964), Clark escolheu três árvores filogenéticas para comentar e ilustrar o texto, uma delas a proposta por Ernst Marcus no artigo de 1958”.


Fonte: Erasmo Garcia Mendes, in: Revista IEA-USP, dezembro de 1994 e Ibero-Amerikanisches Archiv, Zeitschrift für Sozialwissenschaften und Geschichte, Jahrgang 21, 1995, Heft 1-2).