CANTO DOS EXILADOS

Markus, David


Jornalista
Brok (Polônia), 3/3/1916 – 2000
No Brasil, de 1950-2000


De origem polonesa, Markus refugiou-se no Japão, China e Uruguai ao longo da década de 1940. Foi para São Paulo, onde trabalhou no jornal ídisch O Novo Momento, e depois assumiu a redação da Imprensa Israelita e da publicação Ídiche Presse no Rio de Janeiro. O semanário fechou as portas em 1988 devido ao gradual desaparecimento dos leitores em ídisch e à morte do último linotipista neste idioma. Paralelamente, produziu o programa diário A Voz Israelita na Rádio Mundial. Inicialmente em ídisch, o programa passou a ser transmitido em português em 1967 Um dos primeiros locutores nativos foi Oswaldo Sargentelli.

Markus trabalhou também como correspondente de diversos jornais estrangeiros no Brasil. Entre eles, Maariv, de Tel Aviv, em hebraico, Jewish Chronicle, de Londres, em inglês, e Fórverts, de Nova York, em ídish.
O texto a seguir foi escrito por Sara, filha de David Markus:
"Os pais eram proprietários de um estabelecimento misto de padaria/confeitaria e de uma fábrica de matsá que fornecia também para Varsóvia, mas ele quis se dedicar ao jornalismo. Ainda muito jovem, colaborava para as seções de entretenimento, como charadas e palavras cruzadas, de jornais da capital. A 2ª Guerra o obrigou a interromper a Faculdade de Humanidades na Universidade de Vilna. Não fosse a paixão pelo jornalismo, teria certamente sido assassinado como o foram todos os membros de sua família.
Após obter um visto de trânsito do famoso cônsul Chiune Suguihara (anos depois distinguido pelo Iad Vashem como um dos Justos entre as Nações), Markus refugiou-se no Japão (Kobe) e, oito meses depois, junto com outros mil e poucos judeus poloneses, foi obrigado a se transferir para Xangai. Vivendo a maior parte do tempo no gueto de Chon-Ku, escreveu textos humorísticos para os espetáculos do Shanghai Jewish Club. Chegou a produzir um programa de rádio em idisch que ia ao ar três vezes por semana em novembro/dezembro de 1941.
Deixou Xangai em 1946 e se radicou em Montevidéu, mas já em 1950 transferiu-se para São Paulo, onde trabalhou no jornal idisch O Novo Momento. No ano seguinte, a convite, assumiu no Rio de Janeiro a redação da Imprensa Israelita-Ídishe Presse, cujo fundador, Aron Bergman, falecera.
No jornal, fazia de tudo; só não era linotipista. O gradual e inexorável desaparecimento dos leitores em idisch e – o golpe de misericórdia - a morte do último linotipista em idisch fizeram com que o semanário fechasse as portas, em junho de 1988.
Paralelamente, em 1955, dando seguimento a uma paixão antiga, dos tempos da Polônia, começou a produzir, na Rádio Mundial, o programa diário A Voz Israelita, do qual era também o repórter e o apresentador em ídisch. Seus primeiros locutores em português foram Leon Abravanel e Osvaldo Sargentelli. Por imposição do governo militar, que, em 1967, proibiu o uso de línguas estrangeiras, o programa passou a ser transmitido todo em português, e Markus passou a trabalhar só nos bastidores. A Voz Israelita iniciou o processo paulatino de fechamento em 1981, logo após uma ameaça de bomba contra a Rádio Copacabana caso esta mantivesse o programa no ar. A última transmissão ocorreu em janeiro de 1983.
Durante todos esses anos e até quase o fim da vida, em 2000, Markus acumulou ainda a atividade de correspondente no Brasil dos jornais Maariv (de Tel Aviv, em hebraico), Jewish Chronicle (de Londres, em inglês) e Fórverts (de N.York, em ídish), bem como da agência noticiosa judaica JTA (de NY).
Repórter apaixonado em tempo integral, sionista apaixonado em tempo integral, roedor de unhas compulsivo em tempo integral (e mascador de chicletes quando não sobrava unha), em meio às montanhas de jornais e papéis em que vivia mergulhado na redação (Av. Presidente Vargas, 435), sempre arrumava tempo para receber leitores e amigos. Apesar das divergências ideológicas, debatia acaloradamente, porém sem guardar rancor, com adversários da esquerda e da direita, que o respeitavam por sua honestidade, integridade e coerência. Jamais mandava dizer que não estava, se o telefone tocasse no meio da refeição ou no auge da concentração quando redigia uma matéria (e constantemente tocava).
Ajudou muitos estudantes devido aos conhecimentos que tinha de literatura judaica, História judaica e política israelense, entre outros. Também dirigentes comunitários o procuravam para aperfeiçoar discursos ou artigos.
Ai de quem ousasse lhe contar uma piada. Ele sempre a conhecia -"ah, essa é uma velha anedota judaica!" - e a recontava, com muito mais charme. Não usava o seu passado fascinante e incomum como refugiado para fazer carreira. E das agruras daqueles tempos terríveis retirou força para sustentar a família e assumir a defesa de Israel com o instrumento que melhor conhecia e de que mais gostava - o jornalismo.