Ujscie, Polônia, 1880 — São Paulo, 1950
Banqueiro, ativista social-democrata, pacifista, mecenas, criador de bichos da seda.
Cruzou com Stefan Zweig cinco vezes: no grupo próximo do empresário-filósofo-estadista Walter Rathenau; depois da Grande Guerra na República de Weimar; em Paris, no círculo de emigrados alemães depois da chegada dos nazistas ao poder; em 1940, no Brasil, onde se hospedaram no mesmo hotel na praia do Flamengo; e no início de 1942 em Barbacena, num encontro com outro escritor refugiado, o francês George Bernanos.
De família judaica e interessado em questões agrícolas e sociais, influenciado pelo utopista alemão Adalbert Stifter e graças à sua adesão às idéias social-democratas, Simon desenvolveu na pequena propriedade herdada de seu pai, em Kahlstadt, perto da fronteira com a Polônia, uma granja-modelo. Foi obrigado a deixá-la por conta da onda germanista e reacionária estimulada pelo chanceler Otto von Bismarck, na Prússia.
Em Berlim, ajudou a fundar o banco Bett, Carsh, Simon & Co e com a sua mulher, Gertrud, transformou a mansão na rua Drake num centro de arte e cultura freqüentado por escritores, intelectuais e artistas como Albert Einstein, os irmãos Heinrich e Thomas Mann, René Schikele, Stefan Zweig o conde “vermelho” Harry Kessler, Walter Rathenau, Kurt Tucholsky, Jakob Wasserman, o regente Bruno Walter, Walter Benjamin e os artistas plásticos da vanguarda expressionista.
A derrota alemã na Grande Guerra, o fim do império, a criação da República de Weimar e a estrela política de Rathenau, elevado duas vezes ao posto de ministro, transformaram Simon no ministro das Finanças do gabinete prussiano. O assassinato de Rathenau (1922) acabou com suas ilusões. A instabilidade econômica e política na Alemanha levou-o a criar uma casa bancária em Paris e comprar um apartamento na rue Grenelle, 182. Quando os nazistas tomaram o poder e os seus amigos o avisaram para fugir imediatamente, uma pequena parte dos seus bens e coleção de arte já estava segura na França. A mansão e o banco foram confiscados em seguida. O governo francês acolheu o casal, filhas e genros como perseguidos políticos, por isso, livraram-se de internação em campos de prisioneiros.
No apartamento parisiense reunia-se a fina flor da intelectualidade exilada: os irmãos Mann, o casal Franz Werfel, Ernst Toller. Lion Feuchtwanger, Alfred Döblin, Friderique Zweig (depois da anexação da Áustria), o jornalista berlinense Ernst Feder, franceses que apoiavam a Frente Popular – judeus, ateus, católicos, protestantes, aristocratas, comunistas, socialistas, anarquistas. Simon comandava diversas operações de ajuda aos refugiados, como a retirada das zonas ocupadas daqueles que corriam perigo, financiamento de jornais, compra de vistos e contactos com o corpo diplomático estrangeiro.
Para financiar estas operações Simon começou a desfazer-se de parte da coleção de arte que conseguira salvar da Alemanha. Em 1937 vendeu na Suíça, através do amigo e marchand Bruno Cassirer, uma das versões (a quarta), da celebre obra expressionista do norueguês Edvard Munch (1863-1944) “O Grito”.
A trincheira anti-nazista esvaziou-se com a veloz aproximação das tropas alemãs de Paris. Hugo e Gertrud foram avisados de que no consulado americano de Marselha havia vistos para não-imigrantes, válidos por seis meses. Porém, com a capitulação, o governo títere de Vichy anulou-os bem como todos os salvo-condutos, certificados de asilo e vistos de saída de estrangeiros.
Os Simon juntaram-se às multidões que se dirigiam a Marselha onde o cônsul tcheco obteve os passaportes de um casal recentemente falecido. Desaparecem do rol dos vivos Hugo e Gertrud Simon e, em seu lugar, apareceram Hubert Studenic e Garina Studenicova, logo incorporados à legião de protegidos do jornalista americano Varian Fry, enviado pelo Emergency Rescue Committee, para socorrer os intelectuais perseguidos pelos nazistas encurralados no sul da França.
A filha Úrsula, o marido Wolf Demeter e a outra filha, Annete Simon, receberam seus passaportes da Resistência Francesa com os nomes de Leonie Renée Denis, André Denis e Marie Luise Pecherman. Wolf Demeter, escultor conhecido, além de trocar de nome precisou usar disfarces e parecer 15 anos mais velho.
De trem chegam à fronteira franco-espanhola, cruzam os Pireneus a pé (a mesma rota seguida por Friderike, filhas e genros; v. verbete) e com os vistos fornecidos secretamente pelo embaixador brasileiro em Vichy, Luís Martins de Souza Dantas, entram na Espanha, compram os bilhetes para o Rio e cruzam o país para embarcar no “Cabo Hornos” que partia de Vigo, na costa atlântica. Filhas, genro e neto seguiram em outro barco, rumo à Argentina onde ficaram pouco tempo.
Desembarcam na ex-capital brasileira em 3 de março de 1941 e hospedam-se primeiro no Hotel Central onde reencontram Stefan e Lotte Zweig (chegados de Nova York em 27 de agosto de 1941). Sem recursos, depois compartilharam o apartamento do casal Ernst Feder nas Laranjeiras.
O dinheiro que Simon tinha na Inglaterra e Estados Unidos, graças às suas conexões internacionais, começou a chegar em pequenas parcelas endereçadas ao mosteiro de S. Bento, que por tradição sempre acolheu perseguidos e peregrinos. O monge Paulus Gordan, (judeu convertido que chegou abade do mosteiro), ajudou-o nas primeiras providências.
Com medo de serem reconhecidos num ambiente tão cosmopolita e retomando os antigos sonhos rurais, os Studenic transferiram-se para o interior de Minas Gerais, onde compraram uma pequena propriedade em Barbacena para a criação do bicho-da-seda.
Tornaram-se íntimos de outros refugiados, o famoso escritor católico francês George Bernanos, que vivia enfurnado numa fazenda chamada Cruz das Almas enquanto escrevia seus livros e artigos para O Jornal, e o jovem pintor judeu romeno, Emeric Marcier que lá comprara um sítio para transformar em estúdio.
Por iniciativa de Ernst Feder que no início de 1942 foi veranear numa pensão em Petrópolis, tornando-se assim o amigo mais próximo de Stefan Zweig, Studenic providenciou um convite de Bernanos para que Zweig o visitasse em meados de janeiro. Imaginava que poderia ajudá-lo a vencer a solidão e a depressão.
O comovido encontro na remota Barbacena entre aqueles europeus tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais entrou para a biografia de ambos. Mas não evitou o fim trágico de Stefan Zweig.
Com o fim da guerra, Hubert Studenic começou a operação de ressuscitar Hugo Simon. Graças às intervenções de seus velhos amigos Albert Einstein e Thomas Mann, conseguiu recuperar o nome e parte de seus bens. Foi morar em Penedo, pitoresca colônia finlandesa, na serra fluminense, não muito longe de Resende onde moravam a filha, o marido e o neto, todos ainda usando o sobrenome de guerra, Denis.
Lá começou a escrever uma autobiografia romanceada com o título Seidenraupen, (O Bicho-da-Seda; ou os fios de seda), volumoso manuscrito de cerca de 1.500 páginas que os editores alemães do pós-guerra não se interessaram em publicar porque sequer sabiam quem foi Hugo Simon. A pesquisadora Izabela Maria Furtado Kestler, pioneira no Brasil na esfera da Exilliteratur, Literatura do Exílio, localizou o manuscrito e publicou um extrato.
Bisneto de Simon, Rafael Cardoso Denis, professor de história da arte no Rio de Janeiro, inspirado pelo bravo antepassado, artífice da arte de amarrações e vínculações, está tentando editar seu valioso testemunho.
Endereço na Agenda: 5 Av. Apparicio Borges, Ap. 4R, Rio. Tel. 42-1265.