Viena, 1907 — Stamford, Connecticut, EUA, 1986 (Alix)
Viena, 1910 — Marathon, Florida, EUA,1998 (Susi)
Enteadas de Stefan Zweig
Filhas de Felix von Winternitz (Viena, 1877- ???, 1950) e Friderike Maria von Winternitz (nascida Burger, depois Zweig). Conheceram-se ainda estudantes, casaram-se em 1906 e no ano seguinte nasceu-lhes a primeira filha, Alexia (Alix). As dificuldades conjugais não impediram que dois anos depois, tivessem a segunda filha, Suzanna (Susi), vítima de disenteria com seqüelas respiratórias que exigiram da mãe intensos cuidados e atenção até a idade adulta.
À época do primeiro encontro formal com Stefan, em 1912, Friderike e as filhas (por causa de Susi), passavam o verão num antigo moinho nos bosques dos arredores de Viena (v. verbete Zweig, Friderike)
Até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, enquanto Stefan fazia as tournées de conferências, acompanhava a encenação de suas peças, viajava a Paris ou à Bélgica tecendo a sua rede de amizades, Friderike corria atrás de sanatórios, médicos e tratamentos atendendo às recaídas e melhoras de Susi. Quando resolveu afastar-se de Felix e morar sozinha em Baden, perto da capital austríaca, pediu a Stefan que viesse visitá-la em horários em que as meninas estivessem acordadas. Queria acostumá-las à sua presença embora ele continuasse morando no seu apartamento de solteiro da Kochgasse,Viena.
Sem experiência em lidar com crianças, irmão caçula, sem sobrinhos ou primos pequenos, Stefan era então de fácil convívio e, Friderike, atenta a tudo. Livres de dificuldades financeiras a convivência fluía e amenizavam-se as asperezas da vida cotidiana.
Eram adolescentes quando se mudaram para a mansão no Monte dos Capuchinhos em Salzburgo e adaptaram-se ao rápido sucesso do padrasto e ao inevitável stress decorrente. Friderike aprendeu a contornar as explosões e depressões do marido e certamente preparou as filhas para suportá-las.
Porém em seus diários, a partir de outubro de 1931, aparece o primeiro registro dos dissabores entre o escritor cinquentão, sempre insatisfeito com o seu sucesso, angustiado com o radicalismo político à sua volta, e as enteadas, mulheres feitas (21 e 24 anos). Stefan tentara sem resultados interessá-las na catalogação da sua famosa coleção de manuscritos e autógrafos – projeto que acalentava há anos e não conseguia desenvolver. Friderike, por sua vez, não queria impor a sua vontade às filhas.
Enquanto descreve o frenético trabalho para completar a biografia de Maria Antonieta e o sombrio ambiente político austríaco, Stefan não esconde o mal-estar diante da desambição e a apatia das enteadas no tocante a trabalho e ao futuro. Visível o desmonte do ambiente familiar – até então aparentemente harmonioso – quando revela que cogita achar um refúgio. “A incerteza no tocante à casa persistirá enquanto persistir a incerteza no tocante a A.&S. (geralmente designava os personagens que desfilavam pelos diários com as iniciais). Uma contrariedade levou-o a anotar: “Impossível viver em ambiente de tamanha estupidez e desapego. Sufoco, a minha energia também. Preciso recuperar o fôlego...” Dias depois: “nossa vida conjugal se encaminha para uma catástrofe. Melhor do que o marasmo.”
Quando em 1934 decide alugar um pied-a-terre em Londres, estava acompanhado por Friderike, mas o script esboçado ganhara dinâmica própria: era o sonhado refúgio, o resto desabaria a seu tempo. O envolvimento com a nova secretária -- escolhida pela própria Friderike – agrava o ressentimento com as enteadas: praticamente da mesma idade (Lotte Altmann nasceu em 1908), madura, profissional qualificada (estenodatilógrafa em alemão e inglês), independente, capaz de cuidar da sua vida (mais tarde descobrirá a total sujeição de Lotte aos caprichos do irmão mais velho, Manfred).
A impaciência de Stefan com a suposta folga das enteadas teria sido legítima em 1931, mas no que tange a Susi, a partir de 1934 suas queixas são infundadas e injustas: a caçula aprendera a fotografar (até montara uma câmera escura no seu banheiro). Queria ser fotojornalista, mas o sindicato local não lhe deu a permissão. Ela insiste, o caso vai parar na Justiça, Friderike interfere com suas conexões e, em 1936, ei-la no expediente da Salzburger Illustrierten assinando reportagens com legendas em francês e inglês (ambas eram trilíngües). Susi destaca-se no prestigiado festival de verão, já que muitos famosos eram amigos e freqüentadores da casa dos pais. No ano seguinte, publica uma fotobiografia de Arturo Toscanini pela nova editora do padrasto, a Reichner Verlag.
Ao longo dos três anos de desavenças a respeito da venda da mansão e do divórcio, Alix e Susi tornaram-se as protagonistas involuntárias do amargo desfecho do segundo casamento da mãe. As obsessivas queixas nas cartas para Friderike contra a boa-vida das filhas foram responsáveis mais tarde por seu único deslize como dedicada memorialista, biógrafa e cultora da obra do ex-marido: suprimiu das coletâneas de cartas que publicou aquelas que poderiam desabonar as filhas então casadas, com família e vida própria. Não queria que carregassem uma culpa que não tinham.
Quando enfim se separam e vendem o magnífico casarão por uma ninharia, Friderike resolve investir numa hospedaria para escritores em Nonntal (Hauptstrasse, 49), simpático distrito de Salzburg, e Alix, a primogênita, agora empregada numa agência de viagens, fica para ajudar. Contavam ter a casa cheia graças aos contactos nos meios artísticos e também com os visitantes estrangeiros durante o Festival de Verão.
Susi prefere Paris onde, tenta trabalhar como fotógrafa profissional. A supermãe vai supervisionar a instalação da filha caçula. Sorte sua: em março de 1938, a Áustria é anexada à Alemanha e Friderike fica impedida de regressar. Antes de juntar-se à mãe na França, Alix ainda tenta despachar para Paris tudo o que estava em Nonntal e o que ficara num guarda-móveis. A Gestapo, mais rápida, confisca tudo.
Felizmente estão juntas, novamente uma família. Agora acrescida pelos dois namorados das filhas, amigos de infância: o cancerologista Herbert Störk [Stoerk] e o fotógrafo-cineasta Carl Höller, recém-escapados da Áustria. Alix e Herbert casam-se em 1939, moram juntos numa casinha no charmoso vilarejo de Croissy não muito distante da capital.
Desde Setembro de 1939, Paris já não é uma festa, está em guerra contra a Alemanha, ao lado da Inglaterra. Os cunhados alistam-se no exército francês. Nos primeiros seis meses o conflito parece remoto, de repente, a blitz alemã volta-se contra a França, a inexpugnável Linha Maginot é rapidamente contornada, os aliados são obrigados a abandonar Dunquerque, o caminho para Paris está aberto para as Panzerdivisionen.
Três dias antes da queda, Friderike consegue com os amigos socialistas um passe para entrar em Montauban. Deixam a casa de Croissy com o céu coalhado de pára-quedistas alemães que ocuparão Paris. Desaparece o cãozinho Schuschu, spaniel descendente do velho Kaspar que viveu em Salzburgo, as meninas choram, não querem deixá-lo, é epilético, será morto. Obrigadas a alugar um taxi (Susi teve uma crise de reumatismo), Schschu reaparecido, segue com ela e duas amigas da mãe. O resto do grupo vai de trem junto com milhares de refugiados que compactam as estradas, estações, vagões, carroças e ônibus rumo ao sul.
Instalados no infecto hotel ferroviário de Montauban, são surpreendidas por um telegrama de Stefan (que entrementes, apavorado, deixara a Inglaterra e chegara a Nova York onde uma sobrinha deu-lhe o endereço da tia). O intratável padrasto, agora retornado à condição de parente aflito, conseguiu visto de entrada para os cinco nos EUA, deverão seguir imediatamente para Marselha e de lá chegar a algum porto neutro no Atlântico de onde poderão alcançar Nova York. Para atravessar a Península Ibérica terão que obter um visto de trânsito através da Espanha ou Portugal, ditaduras fascistas simpáticas aos nazistas. Graças à biografia do circunavegador português Fernão de Magalhães, Stefan obtém do governo de Oliveira Salazar a autorização para chegarem até Lisboa e, depois, cruzar o Atlântico.
Falta apenas atravessar os Pireneus: instruídos por Stefan entram em contacto com o americano Varian Fry, encarregado por Eleanor Roosevelt, mulher do presidente Franklin Roosevelt, de salvar os intelectuais e artistas refugiados do nazismo que viviam em Paris e estavam agora abarracados em Marselha. Susi casa-se com o namorado e o grupo se junta a outro que deverá cruzar os Pireneus a pé e transpor a fronteira com a Espanha: o irmão mais velho de Thomas Mann, o escritor esquerdista Heinrich Mann, o sobrinho Gollo Mann e o casal Franz Werfel (ela a famosa Alma Mahler, viúva do compositor, ele o célebre escritor, futuro autor de A canção de Bernardete).
Finalmente em Lisboa, acolhidos por Fraga Lamares, o editor português de Stefan que lhes adianta dinheiro para comprar roupas (vieram com mochilas) e se hospedar em pensões. Num velho e enferrujado vapor grego aportam na gelada e alegre Nova York quatro meses depois de escapar da triste primavera em Paris.
O Emergence Rescue Committee para o qual trabalha em Marselha o valente Varian Fry e, em Nova York, Katia Mann (filha de Thomas Mann) e Hermann Kesten (v. verbete) cuida dos primeiros arranjos: Friderike vai morar em Sheridan Square, no Greenwich Village; mesmo casada, Susi, fica a poucos passos da mãe, na rua 11. Alix e o marido preferem distância, vão morar na rua 146.
Do Brasil, Stefan e Lotte escrevem em termos cordiais, a Grande Tormenta tornou irrisórios arrufos e ciumeiras conjugais. A distensão facilita o encontro de todos no início de 1941 em Nova York quando Alix é convocada para substituir Lotte (prejudicada por uma prolongada crise de asma) na datilografia dos originais do livro brasileiro.
Com a aproximação do penoso verão nova-iorquino e a súbita decisão de apressar a redação da autobiografia, Stefan decide alugar uma casinha em Ossining, às margens do rio Hudson. Precisa da ajuda de Friderike com a qual viveu os últimos trinta anos e que passa o verão nas redondezas. Alix auxilia Lotte na datilografia, Susi faz as fotografias do padrasto - uma grande família que Lotte aceita sem objeções.
De volta ao Brasil, já em Petrópolis, na correspondência com a primeira mulher, as filhas são mencionadas com afeto. O telegrama de congratulações pelos 60 anos vem assinado pelas três, assim também os livros de e sobre Montaigne que ganhou de presente. Na última carta de Friderike, as filhas escrevem algumas palavrinhas no verso. Horas antes de matar-se, afetuoso, Stefan refere-se “às crianças”.
Acusada de “censora” pelos especialistas austríacos ligados à família Altmann, Friderike foi reabilitada quando se descobriu que as cartas suprimidas permaneceram intactas e entregues ao acervo da Biblioteca Daniel A. Reed, da Universidade de Nova York, em Fredonia. Às filhas, Friderike legou o envelope lacrado com as cartas inéditas, repassadas ao espólio logo depois.
A caçula superprotegida sobreviveu a Alix: separada do marido em 1955 morou com a mãe até a sua morte. A fotobiografia de Toscanini foi editada nos EUA em 1943. Em 2007, publica-se em Salzburg um estudo sobre o papel da “enteada de Zweig” na criação do fotojornalismo na cidade. Stefan teria ficado orgulhoso. Alguns dos seus portraits clicados por Susi são hoje clássicos.
Sobre o pai, Felix von Winternitz, sobraram poucas informações: tornou a casar em 1919 (com Eleanore Chalup, bem mais jovem, de quem teve uma filha, Regine von Winternitz, como a sua mãe). Nas suas memórias, Friderike revela que o ex-marido foi condecorado durante a Grande Guerra e “graças à segunda mulher conseguiu escapar dos perigos da era nazista”, indício de que Eleanore não era de origem judaica, ao contrário de Felix. Ela também o assistiu durante a longa enfermidade. A filha Regine encontrava-se na Inglaterra quando a Segunda Guerra começou e graças a ajuda de Friderike escapou para os Estados Unidos assim como o seu futuro marido e lá se estabeleceram.
Alix e Suse não tiveram filhos.
Endereço na Agenda: Alix Störk: 604 West 147th Street, New York. Tel. Ed 4-1987; Susi Höller: 1 Sheridan Square. Tel. Chelsea 2-7895.