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Discurso no recebimento do Austrian Holocaust Memorial Award


Alberto Dines

Honrado pela distinção, tocado pela natural carga de emoções que desperta qualquer evento referente ao Holocausto gostaria de registrar o meu entendimento a respeito deste Austrian Holocaust Memorial Award.

Não o vejo como prêmio. O certo seria Auszeichnung. Mas para mim é uma convocação, mais do que isso, um desafio. O Holocausto foi uma catástrofe, enlutou a humanidade, foi uma nódoa na história da civilização.
Lembrar o Holocausto é dever de cada ser humano, de cada cidadão comprometido com a defesa dos direitos humanos. Manter este episódio vivo, por mais horroroso que tenha sido, é compromisso de cada democrata, independente da sua opção política, crença religiosa e nacionalidade. Recordar com precisão os funestos efeitos da violência política associada ao rancor e à intolerância é uma forma de evitar repetições.
Apesar deste lapso de 74 anos, infelizmente, somos obrigados a reconhecer que certas circunstâncias de 1933 não são diferentes das atuais. Mudou apenas a geografia. O ódio é igual.
Suscitar o Holocausto não significa acionar revanchismos, significa suscitar a solidariedade. Com um pouco mais de solidariedade, com um pouco mais de amor ao semelhante, o Holocausto não teria atingido aquelas proporções.
Ouso dizer que Stefan Zweig foi uma das primeiras vítimas fatais do Holocausto aqui no Brasil. E quem o disse foi um dos rabinos da comunidade judaica do Rio de Janeiro, Mordechai Tzekinovski, Bendita a sua Memória.
Quando o Rabino junto com dois outros líderes da comunidade do Rio foram a Petrópolis pedir às autoridades que permitissem o enterro do casal Zweig num cemitério judeu, ele deixava de lado os rigorosos preceitos judaicos que condenam o suicídio. Para o rabino Tzekinovski o mais importante era que Stefan e Lotte Zweig “ficassem junto aos seus”.
No depoimento escrito que me concedeu ainda em 1980 o rabino Tzekinovski isto ficou claro, inequívoco. Para o rabino, Zweig e sua mulher não podem ser desprezados como suicidas, estão entre os caídos.
Apenas um mês e alguns dias depois da secretíssima Reunião de Wannsee quando foi organizada a Solução Final, o rabino Tzekinovski já enxergava suas diabólicas dimensões.
A Casa Stefan Zweig que começa a ser refeita em Petrópolis não pretende ser apenas um museu dedicado a preservação da vida, obra e mensagens de Stefan Zweig. Será um Memorial do Exílio. Queremos lembrar aqueles intelectuais – de todos os credos e nacionalidades – que fugiram do terror nazista e aqui se abrigaram. Cada um destes fugitivos escreveu a sua própria versão da utopia Brasil, País do Futuro.
Ainda não sabemos ao certo quantos escritores, intelectuais, artistas plásticos, músicos e cientistas aqui se abrigaram.
Sabemos sim que na rua Gonçalves Dias, 34, bairro Duas Pontes, Petrópolis, estará permanentemente acesa uma vela. A vela da memória, da solidariedade e do amor à humanidade.