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Ao mestre, com carinho


Kristina Michahelles

Tinha oito anos quando viu pela primeira vez o escritor austríaco e sua mulher Lotte, que visitavam uma escola judaica na periferia do Rio. E apenas dez quando soube do trágico suicídio do casal em Petrópolis na noite de 22 para 23 de fevereiro de 1941. O impacto daquela notícia o marcou para sempre. A sensibilidade e a acuidade intelectual fizeram daquele menino um dos grandes jornalistas brasileiros, mestre de várias gerações de profissionais. A identificação cultural com o escritor judeu tornou-o autor de uma biografia definitiva sobre sua vida e o trágico desfecho no "país do futuro".
Alberto Dines fez 85 anos no domingo, 19 de fevereiro, pouco antes do dia em que o mundo lembra os 75 anos da morte de Stefan Zweig. Seu sonho de fazer cinema cedeu a uma rica trajetória pelos principais meios de comunicação do país. Ao todo, 65 anos de jornalismo, pontuados por glórias e polêmicas, guiados pela busca da verdade e da ética e coroados pela introdução, no Brasil, de uma corajosa crítica à própria mídia através do Observatório da Imprensa.
Colocou seu faro de repórter e sua infindável curiosidade a tentar responder às tantas perguntas suscitadas pelo suicídio de Stefan Zweig, o homem nascido no "mundo de ontem", o império austro-húngaro, e que não suportou sua época turbulenta e tumultuada. Morte no paraíso, a tragédia de Stefan Zweig é, até hoje, a única biografia que lança uma luz sobre a "vida brasileira" de Zweig.
Ao longo dos últimos anos, Dines vem capitaneando um grupo de admiradores em outra grande empreitada: a criação do museu Casa Stefan Zweig na última morada do escritor em Petrópolis. Ali funciona também o Memorial do Exílio em homenagem a centenas de outros exilados que deixaram valiosas contribuições no país que os acolheu.
Um dos autores mais vendidos e traduzidos em seu tempo, Zweig vive há alguns anos um boom através de filmes, da reedição de sua obra, de peças de teatro ou menções quase que diárias nos jornais. Para Dines, "o público tão massacrado pela coisificação quer reencontrar-se com o idealismo que palpita nas suas biografias, nas opções humanistas, nos ensaios, na melancolia de algumas novelas".
Basta uma rápida busca no Google para descobrir o quanto o pacifista, humanista, autor de biografias como Erasmo de Roterdã e Maria Antonieta e novelas como Xadrez e Medo vem sendo citado nesses tempos de Trump, Brexit, muros e conflitos. Quando o líder da maior nação industrializada do mundo tenta desacreditar a imprensa e a verdade, a mídia, não por acaso, recorre ao alerta de Zweig, em sua autobiografia, contra a "nova amoralidade consciente e cínica".
O alerta contra a cisão, a fragmentação dos povos e a destruição trazida pela guerra é também o teor da conferência Unidade espiritual do mundo, que a editora Memória Brasil e a Casa Stefan Zweig lançam no âmbito das homenagens pelos 75 anos da morte do escritor. Mais um projeto que Alberto Dines nos oferece, fruto de seu sempre juvenil entusiasmo e de sua paixão pelos mesmos valores humanistas de Stefan Zweig - que, como ele diz, "está mais ativo e vivo do que quando se recolheu ao pequeno bangalô na região serrana". 

Kristina Michahelles é
jornalista e retraduziu as principais obras de Stefan Zweig.