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TEXTOS

Discurso inaugural da Casa Stefan Zweig


Alberto Dines

Senhor Embaixador Hans-Peter Glanzer, representante da República da Áustria que nos apoia e estimula desde os primeiros momentos.


Senhor Cônsul-Geral Michael Worbs, representante da República Federal Alemã cuja significativa doação garantiu o termino da obra.


Senhora Embaixadora da República da Eslovenia, Milena Smit.


Doutora Mariana Várzea, Superintendente de Museus, representante da Secretária da Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Adriana Rattes, querida amiga e por isso tão atenta à continuidade desta empreitada.


Senhor Vice-Prefeito, Oswaldo da Costa Frias, em nome do prefeito Paulo Mustrangi, representantes do povo petropolitano que sempre ofereceu a Stefan Zweig carinho, hospitalidade e a nós integra na comunidade.


Uma saudação ao Dr. Rubem Bomtempo, ex-prefeito que inaugurou esta convivência.


Bem-vinda Professora Eva Alberman, representante da família Altmann, sobrinha querida de Lotte Zweig que veio de Londres para participar da inauguração deste memorial e lembrar a generosidade do seu pai, Manfred Altmann;


Uma saudação especial à jornalista Tereza Cruvinel, ex-presidente da EBC, que através da TV-Brasil produziu o documentário “Paraíso Utópico” a ser exibido em setembro.


Caríssimos diretores, colaboradores e apoiadores da Casa Stefan Zweig, companheiros de sonho, travessia e realização.


Demais autoridades, colegas jornalistas, queridos amigos e Amigas. Meine Damen und Herren,


 


Stefan Zweig continua vivo. Vivo e ativo. Tão inspirado e inspirador como sempre foi. Não me refiro apenas a um fenômeno literário, o escritor que desafia modas e recusa desaparecer. Refiro-me ao infatigável mensageiro da humanidade, filho do século XIX, figura-síntese do século XX, bússola para os tempos vindouros.


Prova da permanência e vitalidade de Stefan Zweig nos foi oferecida há poucos dias na Festa Literária em Paraty onde o premiado escritor libanês Amin Maalouf escolheu um trecho das tocantes memórias de Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, para ler na sessão final.


O que há de comum em Zweig e Maalouf? Muito. Embora tão distantes no tempo e no espaço, nascidos com um intervalo de 68 anos, um em Viena, Europa Central, o outro em Beirute, Oriente Médio, engajaram-se na mesma missão, parceiros do mesmo compromisso -- a preservação da mensagem humanista, a crença na liberdade individual, Die persönliche Freiheit, que Zweig menciona na sua despedida escrita aqui, nesta casa, a poucos passos de nós.


Zweig é uma ponte e esta sua casa no bairro das Duas Pontes, é um monumento,de proporções modestas, porém sólido, dedicado à constância e à persistência.


Este bangalô construído nos anos 20 do século passado começou a ser pensado como “Casa Stefan Zweig” dias depois depois da morte em Fevereiro de 1942. A idéia foi do jornalista Raul de Azevedo num pequeno texto publicado no “Correio da Manhã” onde imaginava uma subscrição popular para comprar o imóvel e transformá-lo em museu. A iniciativa não foi adiante.


Pouco depois, comovido com as homenagens prestadas pelo governo brasileiro ao seu cunhado, o médico Manfred Altmann, irmão de Lotte e pai de Eva Alberman aqui presente, em Abril de 1942, iniciava as démarches para oferecer ao povo e às autoridades brasileiras o espólio do escritor constante de meio milhar de volumes de suas obras traduzidas para os principais idiomas, espécimes dos diários, anotações, manuscritos inéditos, cartas, móveis, objetos pessoais, desenhos, pinturas e fotografias autografadas dos melhores amigos. Um tesouro literário, mostruário das vivências de uma figura tão especial, como “expressão da gratidão do escritor ao povo do país onde encontrou as qualidades que mais apreciava: amor à liberdade e afeição à herança cultural do mundo”. Manfred e sua mulher Hannah também se dispunham a ajudar a futura entidade a comprar o imóvel onde Zweig viveu e morreu.


Participou ativamente das negociações o saudoso diplomata e agitador cultural Pascoal Carlos Magno que então servia em Londres e delas deixou um detalhado registro em suas memórias. A negociação foi acompanhada e divulgada com destaque pelo jornalista Murilo Marroquim então correspondente dos Diários Associados na capital britânica.


O Itamaraty exultou com o oferecimento e uma vez assentados os termos da doação, o então chanceler Oswaldo Aranha encaminhou o assunto à pasta da Justiça e Negócios Interiores. E o que aconteceu? O projeto de uma “Casa Stefan Zweig” – esse o nome escolhido -- foi engavetado e esquecido num ministério onde operavam notórios integralistas.


Sonhos, como as nuvens, estão sujeitos aos ventos, mas sonhos coletivos, resistem, têm durabilidade. Sessenta e um anos depois, a terceira tentativa de criar a Casa Stefan Zweig. PARECE que deu certo e hoje estamos aqui para comemorá-la junto a tantos amigos. Portanto, sejam bem-vindos à pequena usina de quimeras que começa a funcionar.


Nossa história começou em fins de 2004 quando pedi à pianista Clara Sverner que reunisse em sua casa um pequeno “bando de loucos”, loucos mansos, dispostos a levar adiante o tardio tributo a Zweig em Petrópolis. A outro grande amigo, Tobias Cepelowicz, solicitei que indicasse os loucos.


Oito anos depois, com a honrosa presença destes precursores e de uma segunda leva mais sensata, com os pés no chão, encabeçada por Renato Bromfman, estamos entregando a primeira fase da Casa Stefan Zweig, integralmente recuperada. Não posso omitir seus nomes: Ruth Stern e o pranteado Hans Stern, Nancy Hartstein, José Pio Borges, Israel Beloch, Beatriz Lessa, Kristina Michahelles, Stephan Krier, Antonio Monteiro de Castro, José Luís Alqueres, o historiador Fábio Koifman e os curadores Nelci Frangipani e André Vallias que recriaram o clima zweiguiano em ambiente tão claro e luminoso. Não podemos esquecer o talento e o engenho do arquiteto Miguel Pinto Guimarães que projetou o conjunto e a devoção do nosso diretor, o engenheiro-arquiteto Mário Azevedo que o está materializando com tanto empenho e capricho.


Apesar de ajudas oficiais que esperamos fiquem mais visíveis, trata-se de uma façanha de sonhadores individuais, admiradores de Stefan Zweig, devotados cultores da preservação da memória. Seus nomes estão inscritos na placa à entrada.


Somos protagonistas da antiga fábula onde um passante alerta outro: “atenção, há um tesouro na casa ao lado”. O outro olha em volta e responde: “Mas não vejo nenhuma casa ao lado !”. Replica o primeiro: “Então vamos construí-la !”.


Esta é a nossa história. Tínhamos um tesouro – a vida, a obra e as mensagens de Stefan Zweig – faltava reconstruir a casa. Um museu não nasce pronto, tal como as biografias, museus são obras em construção, inacabáveis, cada tesouro gerará outros , cada fase nos empurrará para as seguintes.


Precisamos instalar um acesso mecânico para evitar tantos degraus, precisamos iniciar a próxima fase (biblioteca e auditório), precisamos, precisamos, precisamos... Faremos, faremos,faremos....


Nesta casinha de pouco mais de 100 metros, durante seis meses, um grande artista, verdadeiro Dichter, poeta,  completou sua obra mais celebrada e dolorida, a autobiografia O mundo de ontem. Também concebeu e completou três obras superiores: a eletrizante novela Uma partida de xadrez, o ensaio sobre Michel de Montaigne e aquele emocionante texto de apenas 21 linhas e 168 palavras encimadas por um título em português, Declaração -- a carta de adeus: sóbria, dolorida e altiva.


Um canto em três vozes, três tramas e três estilos, entrelaçadas pela mesma sensação de luto, mesma renúncia, mesma resolução e, sobretudo, pela mesma coragem  de ir às últimas conseqüências na defesa de causas e sentimentos.


Cabe ainda lembrar que Stefan e Lotte se refugiaram em Petrópolis para fugir do verão, mas também para escapar do burburinho da Capital Federal onde as calúnias do Correio da Manhã a respeito do livro Brasil, um país do futuro” tanto magoaram o seu autor.


O livro brasileiro de Zweig não é uma profecia, nem exercício de futurologia ou prognóstico macro-econômico, é um projeto moral, espiritual. Uma utopia centrada num país real, ao contrário da utopia de Thomas Morus situada em lugar nenhum. No auge do fanatismo racial nazista, o humanista entreviu um enorme país que crescia e se mantinha unido graças à tolerância e à convivência entre os diferentes. Zweig apostou no multiculturalismo antes mesmo que a palavra fosse inventada.


Pergunta: Brasil, um país do futuro é um projeto bem-sucedido ou maldição? Zweig estava certo ou enganou-se? Tinha razão Jeremias quando advertiu os poderosos para os perigos da arrogância? Ninguém sabe. O que importa é a certeza de que errados estiveram todos os que ao longo de sete décadas ignoraram a fantasia brasileira de Stefan Zweig.


Ao futuro só se chega quando se aprende a honrar o passado. O país do futuro jamais poderá ser o pais do esquecimento (aproveito aqui o inspirado título publicado n'O Globo.


Esta Casa Stefan Zweig não se destina a lembrar apenas os escritos e o escritor, o poeta e sua devotada companheira, Lotte. Esta Casa – como poderão verificar daqui a pouco -- contém um Canto dos Exilados, aquele recanto especial, um centro de memória para lembrar os artistas, intelectuais e cientistas que se refugiaram no Brasil no período 1933-1945. Poderiam ser mais numerosos e o volume de contribuições mais significativo, se as restrições do governo Vargas à entrada de refugiados da guerra, sobretudo judeus, não fosse tão drástica.


O acervo inicial já conta com mais de duas centenas de dossiês, chegaremos sem dificuldades a trezentos. Seus nomes estão inscritos aqui ao lado, Zweig, o mais famoso, ofereceu-lhes o refúgio para reunir os dispersos. A documentação será disponibilizada através da internet e, em seguida, em nossas instalações. 


Sempre atento às coincidências, Stefan Zweig não percebeu que o bangalô com a  varanda que tanto o encantou situava-se na Rua Gonçalves Dias. Desconhecia que nosso poeta romântico é autor da celebrada Canção do Exílio. Não sabia também que o verso famoso “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá” é inspirada num verso de Goethe: “Kennst du das Land, wo die Zitronen blüh’n ?  Se o exilado percebesse tantas e tão fortes vinculações não se sentiria tão só, tão esquecido, nem irremediavelmente desgarrado.


Esta casa foi recuperada para celebrar a memória e abrigar o entendimento. Mãos à obra, temos muitos tesouros para encontrar.