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Reminiscências do interior gaúcho na época do Estado Novo


Flávio Tavares

Caríssimo Dines

Maravilhei-me com o que escreveste neste sábado sobre o Stefan Zweig. Todos nós temos que te agradecer por tua iniciativa de resgatá-lo neste país de tão escassa memória.

A partida de xadrez, que li muito jovenzinho, imberbe ainda, foi a primeira obra da literatura que me tocou profundamente – o preso que encontrou na cela um livro de jogadas de xadrez e se tornou imbatível decorando cada uma delas. Muitas décadas depois, em minha prisão no Uruguai, vivi situação semelhante e reli mil vezes um opúsculo encontrado na cela. Era tão só uma revistinha qualquer, mas a reli tanto que ainda sei de cor muitas de suas passagens e alguns dos poemas “bregas” nela publicados.
Meu vínculo com Stefan Zweig, no entanto, vem ainda de quando ele estava em Petrópolis. Lá pelos anos 1938-41, meu pai era prefeito de um município do interior gaúcho, de colonização alemã, 90% da populacão eram de origem germânica e na rua se falava mais alemão que português. O Consulado em Porto Alegre financiava várias escolas católicas e luteranas (que ensinavam em alemão, não em português) e fazia intensa propaganda na região, distribuindo revistas e fotos do Führer, ou patrocinando reuniões públicas sobre a Neues Deutschland do NSDAP.
Meu pai escreveu, então, a “um escritor alemão” antinazista, que morava em Petrópolis, perguntando-lhe como poderia ajudar na desmitificação do idolatrado Fuehrer. Eu tinha cinco ou seis anos e não sei qual a resposta do Stefan Zweig, nem sequer se ele respondeu, mas durante meses só se falava nisto em minha casa — meu pai esperando, ansioso, a fórmula em que um intelectual alemão demostraria que o Führer era um bandido. Tenho a impressão de que houve resposta, mas nunca fui verificar nos arquivos da cidadezinha de Arroio do Meio. (Meu pai era prefeito nomeado durante o Estado Novo, com o poder que isto significava na região, na época)
Desculpa-me pela longa mensagem, mas o que queria, mesmo, era te agradecer por teres escrito o que aparece hoje em O Globo sobre o homem que gostava de dizer “sim”.

Com o abraço do
Flávio Tavares

Búzios, RJ, 25. 2. 2012