Retrato de um homem político

Paulo Guedes
in O Globo

‘Nossa época quer biografias heróicas, pois, diante da carência de lideranças politicamente criativas, busca no passado exemplos mais elevados. Desde Plutarco, biografias heróicas elevam as almas, intensificam as forças, levantam os espíritos, sendo necessárias para cada nova geração. Mas na vida real, verdadeira, raramente são as figuras superiores, de idéias puras, que decidem na esfera do poder político, e sim uma categoria muito inferior, porém mais hábil: os personagens de bastidores. Decisões de importância histórica são tomadas não segundo a razão, ou a responsabilidade, mas por indivíduos ocultos, de caráter duvidoso e inteligência limitada. A cada dia verificamos que no jogo ambíguo e pecaminoso da política, ao qual os povos confiam cegamente seus filhos e seu futuro, não são os homens de visão ética e de convicções inabaláveis que vencem, mas sim aqueles aventureiros profissionais, artistas de mãos gatunas, palavras ocas e nervos gélidos’.


“Se, como já disse Napoleão, a política tornou-se a fatalidade moderna, temos de conhecer os homens que estão por trás do poder e o perigoso segredo de sua força. Que esta história de vida de Joseph Fouché (1759-1820) seja uma contribuição para a análise do homem político”. Foi nesses termos que o biógrafo, poeta, ensaísta e romancista Stefan Zweig, mais conhecido por sua obra Brasil, um país do futuro (1941), prefaciou a biografia de Joseph Fouché: retrato de um homem político (1929).

“Custa imaginar que a mesma pessoa, com a mesa pele, tenha sido professor eclesiástico em 1790, saqueador de igrejas em 1792, comunista em 1793, multimilionário em 1798 e Duque de Otranto em 1808. Napoleão em Santa Helena, Robespierre entre os jacobinos, Talleyrand em suas memórias, a pena de todos, sejam monarquistas, republicanos ou bonapartistas, enche-se de fel quando escreve seu nome. Traidor nato, réptil escorregadio, intrigante miserável, desertor profissional, alma pequena, amoralista deplorável, não lhe poupam nenhum insulto quando tentam seriamente desvendar seu caráter, ou melhor, sua admiravelmente obstinada falta de caráter”.

“É terrível a superioridade de sua imperturbável paciência. Robespierre e Napoleão se estilhaçam contra essa impassibilidade pétrea, como a água contra as rochas. Três gerações, toda de uma raça se incendeia no fluxo das paixões, enquanto ele fica de pé, frio, o único a permanecer impassível. Para ele, só há uma coisa importante: estar sempre com o vencedor, nunca com o vencido, Quando abandona um partido por traição, nunca o faz de forma lenta e cuidadosa. Bastam-lhe 24 horas, às vezes 1 hora apenas, 1 minuto para arremessar longe a bandeira de sua antiga convicção e desfraldar outra. Ele não caminha com uma idéia, e sim com seu tempo. E quanto mais rápido este passa, mais rápido ele o seguirá.”

A propósito da recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral contra a infidelidade partidária, tornam-se oportunas as reflexões de Stefa Zweig a respeito do patrono dos trânsfugas políticos de todos os tempos.

Paulo Guedes, economista