Viena, 1879 — New York, 1977

 

Irmão de Stefan Zweig, empresário

 

Dois anos mais velho que o irmão Stefan e seguindo a tradição patriarcal, Alfred foi preparado desde cedo para assumir a direção da indústria da família em Reichenberg, hoje Liberec, (norte da Boêmia, depois de 1918 Tchecoslováquia e, a partir de 1993, República Tcheca).

 

O pai, Moritz, filho de um comerciante e originário da vizinha Morávia, aos trinta anos criou uma pequena fábrica de tecidos convertida três décadas depois numa das mais importantes do Império Austro-Húngaro. Rico, mudou-se para Viena ao casar com Ida Brettauer, de uma família de banqueiros e empresários têxteis. Tocava piano, falava francês e inglês, era discreto, comedido, jamais pediu emprestado, jamais emprestou. No confortável apartamento de 14, Schottenring nasceram os dois filhos e logo a família mudou-se para o 17 da Rahaustrasse, maior e mais suntuoso.

 

Completado o ginásio, Alfred foi encaminhado para a direção da fábrica enquanto Stefan — determinado como a mãe italiana - resistiu bravamente à pressão paterna para seguir o irmão. Na crônica familiar, há vagas notícias de um confronto físico do pai com o caçula em função destas divergências. Resignou-se quando, aos vinte anos, o nome do filho começou a aparecer em letra de forma.

 

Fácil constatar que Alfred puxou o pai e, Stefan, a irrequieta e dominadora mãe. Mas havia tias, avós e governantas e até preceptores (Stefan precisou de um para vencer as deficiências em aritmética e física). Quando Moritz operou-se em 1903 e foi obrigado a afastar-se durante quase um ano, Alfred assumiu todas as responsabilidades, já que um dos funcionários mais antigos deixava a empresa naquele momento para criar o seu próprio negócio. Aos 24 anos, Alfred tornou-se ”procurador único” (Einzelprokurist) e, no ano seguinte, “sócio público” (öffentlicher Gesellschafter), posições raramente ocupadas por alguém tão jovem.

 

A diferença de temperamentos, gostos e carreiras não impediu que os irmãos compartilhassem amizades, compromissos e triunfos. Na estréia da peça A Casa à Beira-Mar, em outubro de 1912, ao lado do autor só estava o irmão e o velho amigo Victor Fleischer.

 

Quase diariamente encontravam-se na casa dos pais para uma refeição porque a cozinha do apartamento de Stefan na 8, Kochgasse era uma extensão do escritório.

 

Só Alfred sabia do namoro do irmão com Friderike, mulher casada, e manteve o segredo até ser liberado pelo casal, que então o encarregou de preparar a mãe para a comunicação “oficial” (em 1918).  No entanto, mais de uma vez, alertou o irmão para o perigo de ligar-se a uma mulher, mãe de duas filhas, sem recursos para educá-las. Temia que o irmão tentasse adotá-las. Empresário, sentia-se na obrigação de ser realista: duvidava dos dotes literários da futura cunhada e da capacidade do irmão em cuidar da sua vida sozinho.

 

O encantamento de Ida pela nora e a maneira como Friderike assumiu o papel de protetora do irmão convenceram-no a deixar de lado as suspeitas. E Stefan nunca mais fez piada sobre “o inimigo Alfred”.

 

No casório em Viena (janeiro de 1920), por procuração e sem a presença da noiva, que ficou em Salzburg, Alfred serviu de testemunha. (v. Zweig, Friderike). Mas ele só pensa nos negócios e nas suas aventuras amorosas. Não por casualidade, aparece na casa dos pais com uma noiva, Stefanie Duschak que logo se tornará Stefanie Zweig. Com o caçula e Friderike em Salzburgo, a nova nora passará a comandar a vida de Ida e Mortiz no apartamento da Garnisongasse.

 

Pouco depois da derradeira visita de Stefan à fábrica (1921), os irmãos decidem transformar a firma numa moderna sociedade anônima. Alfred assume a presidência da M.Zweig Mechanische Weberai (tecelagem mecânica) e Stefan fica como conselheiro administrativo, cada um com 45% do capital, o restante subscrito por um banco de Praga. Na condição de Diretor-Geral (hoje seria um CEO), Alfred recebe um salário vitalício de 400 mil coroas anuais. Graças a isso, as paredes do seu apartamento em Viena estão cobertas de óleos da escola holandesa

 

Jamais tiveram divergências patrimoniais. Como dizia Zweig com alguma graça: Alfred só pensava nos livros de contabilidade e ele, só cuidava de escrever livros. Acordo extremamente vantajoso para o escritor: oferecia-lhe a liberdade financeira para gozar a liberdade espiritual que tanto reclamava.

 

A morte de Moritz em1926 em nada alterou o novo arranjo da firma, concebido justamente em função da sua idade avançada. Apenas exacerbou o mandonismo da mãe, agora sem súditos.

 

Para os cinquenta anos de Alfred o irmão dedica-lhe a peça O Cordeiro do Pobre (tragicomédia em três atos e nove quadros sobre a campanha de Napoleão no Egito), publicada em 1929 e estreada com enorme sucesso no ano seguinte. E no seu cinqüentenário, dois anos depois, além de uma visita ao irmão, uma carta, uma das poucas que restaram: “Como filhos do nosso pai herdamos um certo desprendimento pessoal...Só posso ver como benção o fato de não termos filhos...Só temos a obrigação de viver decentemente até o fim das nossas vidas e isso certamente conseguiremos...”

 

Alfred acompanhou os dissabores do irmão com as enteadas, a mudança para Londres, o aparecimento de Lotte, os ziguezagues da separação de Friderike, mas a comunicação fazia-se principalmente através do telefone. O empresário não era dado a escrever cartas (as poucas que guardou foram destruídas depois da sua morte por ordens suas). Apressado, operacional, preferia contactos em tempo real.

 

Quando em 1934 a casa de Salzburg foi vistoriada pela polícia austríaca a procura de armas, Stefan retorna a Londres e pede ao irmão que comunique formalmente a sua saída do país. A anexação da Áustria pela Alemanha (1938) não pegou Alfred desprevenido: a fábrica estava em território tcheco e há muito ele adotara a cidadania do país vizinho. Não teve dificuldades para obter um visto para entrar na Suíça (saiu de Viena duas semanas depois da entrada dos alemães) e até conseguiu autorização para que a mãe fosse para Paris. Ida Brettauer não quis: surda, doente, sem forças para a hercúlea tarefa de desmanchar o apartamento na Garnisongasse, preferia ficar em Viena a espera. O primo Egon Frankl foi convocado por Alfred para supervisionar os antigos empregados que cuidavam da firma. Uma enfermeira administrava a medicação, mas na condição de ariana não podia pernoitar numa casa onde dorme um homem judeu. Egon, é obrigado a dormir em outra casa. Alfred telefona de Zurique todas as noites e depois repassa as novidades para o irmão em Londres. Enquanto podia andar, Ida fazia dois passeios diários. Logo, os nazistas proibiram que os judeus sentassem nos bancos dos jardins.

 

Depois de 10 dias inconsciente, Ida morre sozinha. Enterrada na parte judaica do cemitério central, ao lado de Moritz. Único parente presente, o primo Egon, que Ida considerava como terceiro filho, se muda em seguida para o apartamento da Garnissongasse, onde morre no ano seguinte.

 

Os irmãos se reencontraram no início de 1939 em Nova York quando Stefan, acompanhado por Lotte, inicia uma tournée de conferências coast to coast. Alfred e a mulher Stefanie estão confortavelmente instalados quase em frente ao Central Park (18, W 70th St), como sempre mais preocupados com eles mesmos do que com a turbulência em volta.

 

Tornarão a encontrar-se em junho do ano seguinte na mesma cidade quando Stefan, apavorado com a possibilidade da invasão da Inglaterra, inicia a desventurada corrida para fugir da guerra.

 

Em 1941, quando Stefan e Lotte retornaram da América do Sul e o escritor buscava refúgio em alguma biblioteca para terminar o livro brasileiro, evitou o burburinho de Nova York, porém escolheu Yale, em New Haven, Connecticut, para não ficar muito distante do irmão. Encontraram-se algumas vezes, numa delas testemunhou o encontro casual de Stefan com Friderike, o primeiro desde que ela escapara da França. Não aprovou o entusiasmo dos ex-cônjuges pelo inesperado reencontro.

 

Logo depois, Stefan passa a queixar-se com alguma freqüência do distanciamento do irmão e da cunhada, quando escreve para Hannah Altmann sobre sua filha, Eva, a sobrinha querida de Lotte que deixara a Inglaterra bombardeada pela Luftwaffe para ficar num pensionato destinado a filhos de refugiados, não muito longe de Manhattan. Stefan contava com o carinho que Alfred e Stefanie ofereceriam à menina. Decepcionou-se, mas não brigou com o irmão. Eram diferentes, sempre foram.

 

O derradeiro encontro deu-se nesta mesma temporada novaiorquina, antes de embarcar pela última vez para o Brasil: trataram de negócios e Zweig deixou com ele os dois desenhos de Rembrandt que trouxera de Bath.

 

Alfred não foi incluído no circulo dos 21 amigos dos quais Stefan se despediu por carta ou cartão. Mas foi premiado no sábado, dia 21 de fevereiro, antevéspera do suicídio, com uma esperançosa carta do irmão, que lhe contava ter decidido renovar o aluguel do bangalô em Petrópolis por mais seis meses. Certamente escrita no dia 10, quando Lotte deu a mesma notícia aos Altmann.

 

Poupado pelo irmão: a má notícia só chegou a Alfred dois dias depois pelo rádio. Viveu mais 35 anos.

 

Retornaram intactas as dificuldades entre Friderike e o ex-cunhado. Alfred ficou furioso quando Friderike começou a ser tratada como a viúva de Stefan. De jure não era (divorciados há quatro anos), mas era a viúva de facto não apenas no vasto círculo de amigos, mas na imensa comunidade de intelectuais de fala alemã refugiados nos Estados Unidos, Palestina e Argentina. E quando saiu a primeira edição do perfil biográfico escrito por Friderike (1946 na Argentina e no Brasil e 1947 em Estocolmo), Alfred tentou embargá-lo alegando ofensas à honra da família.

 

Tentou uma represália: através dos Altmann entrou em contacto com Richard Friedenthal, também morador em Londres e convidou-o a escrever uma biografia autorizada e prometeu-lhe documentação, cartas inéditas, fotos. Internado por longos períodos em sanatórios na Suíça, o escritor não se animou (v. verbete). Para contrabalançar a influência nos círculos acadêmicos americanos, em 1950, ofereceu substancial ajuda para a fundação de uma entidade austríaca, a Internationale Stefan Zweig Gesellschaft sediada em Salzburgo, hoje uma referência internacional. Determinou que a sua documentação fosse destruída quando morresse.

 

Complicado, mais complicado que o irmão.

 

Endereço na Agenda: 18 West 70th Street, New York. Tel. Endicott 2-3766.